Com carinho
De um ato responsável, uma história de amor
Juizado da Infância e da Juventude aposta no projeto Entrega Protegida, que esclarece: as gestantes estão amparadas por lei caso decidam entregar seus filhos à adoção, tão logo dão à luz
Paulo Rossi -
A felicidade não cabe em um sorriso. Nem em vários. Depois de quase sete anos de espera no Cadastro Nacional de Adoção, Maria Orema e Erlandi Schwanz vivem - há pouco mais de dois meses - a magia de serem pais. "Era tudo o que faltava. Não preciso pedir mais nada a Deus", resumiu a mãe, entre um olhar e outro para admirar a pequena Vitória. O sabor é de sonho. E as cores vivas também.
No Dia Nacional da Adoção, celebrado nesta quinta-feira (24), o Diário Popular traz à pauta um tema previsto em lei e pouco debatido. É a possibilidade de a gestante entregar seu bebê - ainda na maternidade -, sem qualquer tipo de constrangimento. Está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E foi exatamente assim, fazendo valer a legislação, que Vitória chegou aos braços de Maria e Erlandi.
São os efeitos do projeto Entrega Protegida, que busca esclarecer a comunidade e os profissionais da saúde e da assistência social. "Entregar o filho pra que seja adotado legalmente não é crime. Esta mulher não será julgada nem penalizada", ressalta a titular do Juizado da Infância e da Juventude, Alessandra de Oliveira. "Pelo contrário: entendemos que este é um ato responsável. É um ato de amor."
E para que todo o trâmite ocorra dentro da legalidade, desde o ano passado, o Juizado realiza reuniões com trabalhadores da rede básica de saúde e desenvolve capacitações com as equipes que lidam diretamente com as grávidas nos hospitais, para que possam encaminhar o caso ao Judiciário, tão logo tomem conhecimento da decisão, mesmo que durante o pré-natal. Cartazes também foram confeccionados para fazer a informação circular.
Pacto de proteção
Desde que chegou a Pelotas, em fevereiro de 2015, a juíza Alessandra passou a tomar conhecimento de situações de adoção irregular e de devoluções de crianças e adolescentes. E, embora não apresente dados ao Diário Popular, a magistrada garante: "Foram vários casos". O suficiente para motivá-la a desencadear um processo de formação e de debate do que já prevê a lei e criar o projeto Entrega Protegida. Uma iniciativa que quer, sobretudo, a proteção das crianças.
Desde o lançamento, em outubro de 2016, dois bebês já foram adotados - respeitado, claro, o Cadastro Nacional de Adoção. Uma terceira mãe voltou atrás na decisão, já anunciada ao Juizado, depois de dar à luz. Mas é fundamental que se esclareça: "Este não é um projeto de incentivo à adoção. Apenas buscamos evitar situações ilegais, em que as crianças podem chegar a famílias não preparadas para acolhê-las", enfatiza.
Família completa, felicidade plena
A espera foi dolorosa. Maria Orema, 53, admite. Os armários guardaram, por anos, roupinhas e brinquedos para quando o rebento chegasse. "Até uma boneca eu comprei". Berços e bebê-conforto - adquiridos a cada flash de entusiasmo - acabaram descartados. Já não faziam sentido. À medida que o tempo avançava, ela e o marido ampliavam, junto ao Juizado, a faixa etária do filho que estaria por vir. Saltaram do limite de um ano para dois e, depois, para três anos.
A alegria de terem de correr para comprar carrinho, fraldas e kits de higiene é indescritível. E se até agora ficaram de prontidão, em algum momento da madrugada, foi para apreciar a cria. Serena, a pequena Vitória dorme longos períodos. E tempo, aliás, é o que os três mais têm para se curtir. Aposentados há um ano, Maria Orema e Erlandi foram viver em um sítio, na Colônia, que virou ponto de referência à diversão dos sobrinhos. "Quando ela ficava muito ansiosa por causa da demora, eu sempre dizia que tudo aconteceria na hora certa", diz o pai e festeja a alegria de assistir às novelas, de que tanto gosta, com a filha aconchegada ao peito.
É um amor tão intenso que os faz desenvolver um olhar igualmente fraterno. Para cada crítica ou julgamento à decisão da mãe biológica em entregá-la à adoção, Maria Orema reforça: "Para mim é um anjo que Deus colocou na Terra". Uma decisão que os concedeu a oportunidade de ser pai e mãe. "É um sonho."
Como funciona?
1) Tão logo a grávida manifeste a intenção de entregar o recém-nascido à adoção - de forma legal ou não - os profissionais das Unidades Básicas de Saúde, dos hospitais ou de espaços, como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) devem acionar o Juizado da Infância e da Juventude; conforme estabelecido em Termo de Compromisso de Integração Operacional.
2) Profissionais da equipe técnica do Juizado encarregam-se, então, do apoio psicossocial a essas mulheres; isto é, psicólogos e assistentes sociais ajudam a gestante na tomada de decisão segura. É preciso verificar se a entrega à adoção não é motivada por pressão de familiares e amigos ou devido a uma situação excepcional, contornável - destaca a juíza.
3) A Promotoria da Infância e da Juventude e a Defensoria Pública acompanham a magistrada e a equipe técnica do Judiciário na abordagem.
4) Após o nascimento do bebê, confirmada a decisão pela adoção, o Juizado recorre ao Cadastro Nacional de Habilitados em busca da família que irá receber o tão sonhado filho. Se necessário, o bebê fica abrigado temporariamente na Casa do Carinho.
A importância do Entrega Protegida
- O objetivo central é a proteção à criança. Adotado pelos meios legais, o bebê chegará a uma família devidamente habilitada pela Judiciário. É instrumento para barrar as adoções irregulares.
- Reduzem-se as chances de maus-tratos e de abandono dessas crianças.
- Crimes, como a compra e o tráfico de bebês, também podem ser evitados. Ciente de que não será penalizada ao fazer a entrega de seu filho à adoção, não haveria razões para a mulher ser pressionada a entregar o recém-nascido a uma determinada família. E é importante destacar: Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa é crime previsto no artigo 238 do ECA. A pena é de um a quatro anos de reclusão.
- A perspectiva é de que, inclusive, abortos possam ser evitados; pontua a juíza Alessandra de Oliveira
Saiba mais
- O que diz o ECA
* Artigo 13 - Parágrafo 1º
As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude.
- Infração administrativa - O profissional que tomar conhecimento da decisão da gestante e não comunicar o Judiciário, como prevê a lei, responderá por infração administrativa e poderá pagar multa.
- No caso das gestantes adolescentes...
Para se beneficiarem do Entrega Protegida, as jovens, menores de 18 anos de idade, dependem do consentimento de seu responsável legal.
E se o bebê ou a criança já tiver mais idade?
A equipe técnica teria de realizar avaliação para identificar as razões da decisão e verificar a ocorrência de algum tipo de episódio de violência contra a criança. Só depois de um estudo, o Juizado poderia decidir os encaminhamentos a adotar.
Confira os números
- Crianças e adolescentes liberados à adoção no Rio Grande do Sul: 612
- Pretendentes disponíveis no Estado: 5.410
- Crianças e adolescentes liberados à adoção em Pelotas: 23
- Pretendentes disponíveis em Pelotas: 174
(*) A disparidade entre os números estaria diretamente relacionada ao perfil definido pelos pretendentes na hora em que decidem pela adoção. A juíza da Infância e da Juventude, Alessandra de Oliveira, assegura que tem estabelecido tramitação prioritária aos processos de acolhimento institucional e destituição do pátrio poder familiar que, pela lei, deve ocorrer em prazo de até 120 dias.
Entre em contato - Para falar com a equipe técnica do Juizado da Infância e da Juventude, ligue (53) 3279-4900, ramal 1313.
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